O presidente que desacredita o próprio país

Ao voltar a atacar o sistema que o elegeu e a seus filhos, Jair Bolsonaro continua fiel a si mesmo. Para distrair da incompetência do seu governo, cria controvérsias com absurdos.

Por Philipp Lichterbeck, na DW

Quase dava para sentir pena do presidente. Diante de cerca de 40 embaixadores de todo o mundo, Jair Bolsonaro enfatizou repetidamente ter vergonha de seu país. Tinha convidado os diplomatas estrangeiros para informá-los de que o sistema eleitoral brasileiro, através do qual ele, seus três filhos e seus aliados políticos extremistas de direita entraram no Parlamento, não funciona.

Como evidência de sua alegação, citou um ataque de hackers em 2018 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e uma possível modificação de votos. Essa história foi refutada em 2021, quando o TSE deixou claro: as urnas eletrônicas no Brasil jamais entram em rede e não têm nenhuma conexão com a internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa. Bolsonaro também disse que os votos não são auditáveis – alegação desmentida há tempo.

O presidente mais uma vez abordou a tentativa de assassinato contra ele, que supostamente ainda não teria sido esclarecida pela Polícia Federal. Outra mentira! O presidente do TSE, Edson Fachin, foi chamado por Bolsonaro de “juiz que libertou Lula”, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso, de “advogado do terrorista Battisti”. Bolsonaro mencionou o Exército várias vezes, dizendo “nós”. Ele também falou sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), chamando-o de “grupo terrorista”. Foi uma apresentação delirante. Pouco depois, o TSE rebateu 20 inconsistências e mentiras de Jair Bolsonaro. Os embaixadores presentes devem ter se perguntado em que tipo de república de bananas eles foram parar.

Campanha antecipada

Jair Bolsonaro falou aos embaixadores como chefe de Estado e não como candidato. O discurso em que o presidente minou a credibilidade da democracia brasileira foi, portanto, financiado com impostos.

Mas ficou claro que foi um evento de campanha antecipado. Bolsonaro segue a cartilha de Donald Trump, que anunciou antes das eleições de 2020 que não aceitaria uma derrota eleitoral porque esta só poderia acontecer através de uma conspiração. Bolsonaro, já vendo a derrota para Lula, insinua a mesma coisa. Mas isso não lhe vai adiantar de nada. As pesquisas eleitorais são claras demais. O agronegócio, a indústria e o setor financeiro já começaram a se arranjar com um presidente Lula.

Talvez essa seja a explicação para o tom choroso que permeou a apresentação de Bolsonaro. O homem e seus filhos são ótimos em tripudiar. Insultam, xingam e ameaçam. Mas quando são alvos, viram frouxos. Em alguns momentos de sua apresentação, Bolsonaro parecia à beira das lágrimas. O mundo é tão injusto.

Ao final da palestra de Bolsonaro, houve poucos aplausos dos embaixadores. Parecia que eles tinham comparecido apenas para respeitar o protocolo diplomático.

Narcisismo perigoso

Bolsonaro continua fiel a si mesmo. Evita falar sobre os problemas do Brasil e a incompetência do seu governo para resolvê-las: inflação, fome, destruição da Amazônia e falta de perspectivas para a geração mais jovem. Em vez disso, cria controvérsias. Monopoliza o discurso público com seus delírios. O narcisismo de Bolsonaro é insuportável e perigoso.

Pietro Lazzeri, embaixador da Suíça, tuitou: “Participei hoje no Palácio da Alvorada do encontro do Presidente da República com Chefes de Missão Diplomática. No ano do Bicentenário do Brasil, desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições.”

Em sua brevidade e ênfase em “mais uma”, foi essa a única resposta correta aos ataques do presidente à democracia brasileira.

Reprodução da obra “Bolsonaro”, do alemão Frank Hoppmann, publicado originalmente no jornal Paradox, de Israel, e um dos vencedores do concurso internacional de caricaturas, cartum editorial e desenhos de humor da World Press Cartoon (WPC)

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